Por enquanto...

 1.


AMSTERDÃ, 1987. No carro. Amor. Que foi? Vai nascer. Como assim, vai nascer? Estou sentindo, vai nascer. Rubens nos leve o mais rápido possível para o melhor hospital da cidade, é urgente! Na sala de parto. Catarina, minha doce Catarina. Sou seu pai, Catarina. Caroline, obrigado por essa benção.


NOVA YORK, 1987. No escritório. Seu filho nasceu, Senhor. Ótimo! Ligue pra mãe, envie um buquê, o maior que houver, escreva alguma coisa no cartão, você sabe, você é mulher, dê a ela. Sim, Senhor, algo mais? Qual o nome que ela deu à criança? Ângelo. Bem, é isso, me avise se houver qualquer coisa. No pensamento. Catarina… Deve ter furado a camisinha ou coisa que o valha.

TORONTO, 1991. Na sala de estar. Lucy, venha cá, agora! Senhora Caroline, posso voltar aos meus afazeres, não consigo mais acompanhar Catarina? Está bem, pode ir. Mãe! Não faça birra Catarina. Não há no mundo alguém que satisfará todos os seus caprichos. Isso é muito errado, não quero viver num mundo assim. Sua vida é a vida dos sonhos de qualquer um. Pai! Pai! Na porta de entrada. Olá, minha princesa, finalmente cheguei. Olhe o que trouxe. Que é? Que é? Meu Deus! Mãe, olhe o que o pai trouxe! Catarina, não o beije tanto, não está com todas as vacinas. É só um cachorro, deixe a menina brincar de se sujar, se quiser.


NOVA YORK 1991. No escritório. Aristóteles, por favor compreenda, não posso me afastar do meu filho… Por favor, não faça isso comigo… Faço qualquer coisa que me peça, mas não isso. Se é assim, vão os dois pra Berna, sairá mais caro que o esperado, mas é o que tem pra hoje.


BERNA, 1992. Na sala de aula. Crianças, olhem para cá: esta é nossa nova colega de sala de aula, Catarina. Pode-se sentar ao lado de Ângelo, Catarina. Prometo que vocês se darão muito bem. No pensamento. Que esse dia passe rápido. Na classe. Prazer, sou Ângelo como a Professora Angélica disse. Prazer Ângelo, sou Catarina, como a Professora disse. Então, já vou te dizer: jamais me procure, não tenho tempo para ser amigo de ninguém. Nem queria mesmo.


NOVA JERSEY, 1999. Na entrada de casa. Meu bebê lindo, olhe como ele é fofão, Adão. Sim, sim, um bicho que vai comer toda nossa comida. Por que? Não gostei da fuça desse teu filho. Nosso filho. Enfim, outra hora tenho essa conversa.

TORONTO, 2003. No pátio. Como é bom ver Catarina se divertir tanto assim. Gostei desse rapaz, ele é tão educado e a família dele é bastante adequada para Catarina. Sabe, seria uma boa nos aproximarmos mais dessa família. Pensei que seu foco era apenas na rede de hotéis. É nisto que estou a pensar. Na cozinha. Senhor e Senhora Bittencourt, gostaria se possível convidá-los para passar o ano-novo na casa de campo da minha família. Ficamos muito gratos pelo convite, Ângelo. Pensaremos a respeito com muita consideração. Obrigado. Mãe, Pai, ele partirá hoje a tarde, por favor, aceitem. Está bem, se os seus pais estão de acordo, esperaremos o convite oficial e não de um perspicaz garoto.


BERNA, 1992. Na aula de teatro. Garotos e garotas, quero que apresentem suas melhores versões de Romeu e Julieta. Vocês sabem que todos os anos comemoramos o dia dos pais e este ano não será diferente. Eu quero ser Julieta! Não, eu quero! Eu que serei ela! Eu nasci para esse papel! Vocês não sabem de nada, eu sou Julieta! Não, eu sei essa estória de cabo a rabo… Que garotas mais idiotas, tanto faz. O que disse? Me desculpem, acabei falando sem querer. Pois agora que já anda sozinha, não terá nenhuma de nós, as idiotas, ridícula! No pensamento, desta vez. Gente, esse lugar não me faz bem, como eu queria voltar pra casa.


BERNA, 1993. No teatro da escola. Senhores e Senhoras, pais destas crianças incríveis, que no futuro comandarão nosso mundo, apresento a vocês: Romeu e Julieta. No mesmo teatro, há um mês atrás. Não sei por que motivos nos colocaram para fazer Romeu e Julieta. Também, não sei e não quero fazer. Decorar esse texto decrépito e batido. Catarina, sei que não tivemos o melhor convívio até agora como colegas, mas quero te propor algo.  Na plateia. Essa é a minha cena favorita Victor. Que luz é essa que brilha naquela janela? É o leste, e Carolina é o sol. Ó Victor, Victor! Por que és tu Victor? Na sacada. Vem, vem, sua vespa; por minha fé, você está brava demais. Se eu sou uma vespa, é melhor tomar cuidado com meu ferrão. Meu remédio, então, é arrancá-lo. Sim, se o tolo conseguisse encontrar onde ele está. Quem não sabe onde uma vespa carrega seu ferrão? Na cauda. Na língua. Na língua de quem? Na coxia. Perfeito, Petruchio! Por que fizeram isso? Estragaram com tudo! Meus pais vieram aqui me ver e vocês debocham de Shakespeare! Não preciso esclarecer nada pra vocês. Na sala da direção. O que vocês fizeram com a minha peça? Professora, não é sobre a sua peça. Se fosse por isso, faríamos os papéis tranquilamente. E o que é então? São os nossos pais, professora, fizemos de sua festa uma provocação pra eles. Direto para detenção.


NOVA JERSEY, 2000. Na sala de estar. Por favor Adão, eu preciso de dinheiro pras fraldas do Felipe, pare de beber. Esse Felipe não é meu. É seu, já disse isso um milhão de vezes. Pois é a cara do vizinho aqui do lado. Você está bêbado, mais uma vez, como sempre. Você pensa que é quem pra se dirigir assim comigo. Sou eu que sustento essa casa, eu bebo minha bebida o quanto eu quiser, você e seu filho que se ferrem. No pensamento. Se eu tivesse sabido o que ia me acontecer, eu jamais estaria com este homem. Como vou fazer com Felipe?


BERNA, 1993. Na sala da direção. Obrigado, pais, por virem, Senhor Victor e Senhora Carolina Bittencourt e Senhora Catarina Lemes, infelizmente, ocorreu que seus filhos agiram de má-fé durante a peça da escola e comprometeram todos os outros alunos. Gostaria de conversar melhor sobre aquilo que a Professora Angélica relata que eles disseram  na coxia, depois do incidente. Na detenção. Meu pai vai ficar muito brabo com isso, bem-feito. E eu vou mostrar como essa escola horrorosa piorou minha vida.


NOVA YORK, 1993. No escritório. O que ele fez? Esse garotinho é o inferno! Me dê o telefone! Ângelo retornará a viver sobre as minhas rédeas, aquela mãe que se foda!


BERNA, 1993. Na detenção. Sabe o nome da minha mãe também é Catarina. Você tem uma personalidade bem diferente da dela. Porque diz isso? Porque tenho medo do que pode acontecer com ela. À saúde dela está bem ruim, meu pai faz questão de não pagar o tratamento direito, parece que quer vê-la morta - talvez seja isso mesmo. Porque deixar seu pai mais brabo, ele não virá com tudo na sua mãe? Eu quero que ele veja, quero que ele pague por isso - e você, porque aceitou fazer isso comigo? Bem, o meu caso não é tão complicado como o seu, eu não aguento essa escola… Eu nunca fui tão infeliz, é isso. Acho que foi apenas a maneira que encontrei de expressar isso. Obrigado Angelo. Obrigado, Catarina. 


NOVA YORK, 2001. No escritório. Senhor, há uma mulher querendo conversar com você. Quem é? Ela se chama Virgínia, ela carrega um bebê com ela, disse que o Senhor a reconheceria. Hmm. Chame ela aqui; não, melhor, fala pra ela me esperar naquela hamburgueria que sempre vou. Certo, Senhor. No pensamento. Qual vai ser a desgraça do dia. Na hamburgueria. Felipe é seu filho, você não reconhece? Bem, não sou muito bom com essas coisas, lembro de você - o que quer? Eu preciso de dinheiro. Mas isso todos querem, não é porque tem um “filho meu” que vou te dar. Meu marido não reconhece a paternidade desta criança, ele nos odeia. Bem pelo jeito ele está certo. Por favor, Aristóteles. Quero que venha para minha cama mais algumas vezes, posso pensar no seu caso. No pensamento. Felipe.


2.


TORONTO, 2025. No prédio. Felipe, a entrevista contigo será com o chefão. Como assim, Carlos? O chefão é quem está coordenando o processo. No pensamento. Bem seja o que Deus quiser. Na entrevista. Você é o? Oi, eu sou Felipe Dias. Pode sentar Felipe. Bem eu sou Ângelo. Sei que não é todo dia que alguém como eu aparece para fazer entrevistas - bem, gostaria que respondesse algumas questões. Claro, como desejar. Você foi indicado pelo setor financeiro, o que aprendeu com ele? Aprendi que quando se tem uma boa, competente e engajada equipe pode-se chegar no topo. Você está no topo Felipe: o que o fez estudar economia na faculdade? Sempre fui bom com números e sempre procurei aliar meus conhecimentos à. Em quais outras empresas realizou entrevistas de emprego? Nenhuma Senhor, esta é a primeira desde que terminei o estágio aqui. Não há real motivo para contratar um funcionário sem experiência. Por favor, eu sou uma pessoa comprometida, posso não ser a pessoa mais adequada à vaga, mas tenho a garr. Isto é o que diz. Eu pos.  Bem, você receberá uma resposta até o final do dia de hoje, Senhor Felipe. Agradeço pelo tempo, Senhor Ângelo, adeus. No pensamento, de ambos.Será que ele se lembra de mim, já faz tanto tempo… Na mesa. BRRRWW! BRRRWW! BRRRWW! No pensamento. Só pode ser ela. Na ligação. Ângelo, como que nossas avaliações na Ásia desceram tanto? Isto aconteceu pela falta de suprimento de higie. Isto é uma vergonha! Por favor, Catarina, às vezes coisas do tipo acontec. Isto é uma desonra para à história da minha família e, veja só, você as esconde - fiquei sabendo por Jaqueline, aquela idiota, da Jowlk.  Iria te contar até o final deste dia. Pois é, mas não contou no horário certo. Catarina. BIP. BIP. BIP…


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